sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Morre o popstar da ópera

Um dos nomes mais populares do canto lírico, o tenor italiano Luciano Pavarotti morreu ontem em sua casa, em Modena, aos 71 anos; enterro está marcado para amanhã

Folha de São Paulo.

O tenor Luciano Pavarotti morreu ontem em Modena, Itália, vitimado por um câncer no pâncreas que o havia levado a uma cirurgia de emergência em julho do ano passado, num hospital de Nova York.
Ele estava com 71 anos e morreu por volta das 5h locais. No momento de sua morte, estavam na casa dele sua mulher, Nicoletta Mantovani, 36, as quatro filhas do tenor, sua irmã, Gabriela, sobrinhos e um grupo reduzido de amigos.
Desde anteontem, os veículos de comunicação italianos noticiavam brusca piora de Pavarotti, que sempre esteve "sereno" com sua saúde, disse o médico oncologista Antonio Frassoldati, que o atendeu em seus últimos dias.
Em entrevista a um canal de TV italiano, Frassoldati disse que o tenor se manteve "muito consciente da situação, sempre tentando combater a doença".
O prefeito de Modena, Giorgio Pighi, disse que o funeral de Pavarotti acontecerá amanhã, mas o horário será confirmado hoje. Uma missa será celebrada na catedral da cidade, que deverá dar a seu teatro o nome do tenor.
A Itália ficou em estado de comoção. Diversos fãs manifestaram pesar em sites dos principais jornais e canais de TV do país. Em nota, o empresário do tenor, Terri Robson, disse que Pavarotti estava empenhado em completar a gravação de uma série de músicas sacras.

Importância
Pavarotti foi um personagem singular na música lírica da segunda metade do século 20. Não tanto por suas qualidades, imensas, mas por ter se tornado um grande nome na mídia. Possuía uma fortuna de "centenas de milhões de dólares", disse seu ex-empresário Herbert Breslin. Durante seus 43 anos de carreira vendeu 100 milhões de LPs e CDs. Segundo cálculos do crítico britânico Norman Lebrecht, essa marca, no setor erudito da indústria de discos, só é superada pelo maestro austríaco Herbert von Karajan (200 milhões), morto em 1989, e que gravou 900 títulos, 24 vezes a mais que o tenor.
Apesar dessa estrondosa presença comercial, poucos são os críticos que consideravam Pavarotti como o "maior e o melhor" cantor de ópera de todos os tempos.
Em geral, considera-se que sua voz não tinha a pureza de timbre atribuído a Enrico Caruso, Beniamino Gigli ou Lauritz Melchior. Em cena, ele jamais teria sido um ator tão competente quanto Plácido Domingo -espanhol e seu companheiro, com José Carreras, em Os Três Tenores, sucesso de vendas nos anos 90.
Mas Pavarotti foi insuperável em seu carisma. Ele tinha o poder de transmitir uma quantidade infinita de sentimentos armazenada numa ária de Bellini, Donizetti ou Puccini. O público era capaz de ignorar sua aparência histriônica e aplaudi-lo como se nenhum outro cantor jamais tivesse chegado a seus pés.
Já no fim da carreira, no Kennedy Center, em Washington, entrou em 2001 para o Guinness ao ser solicitado 165 vezes diante das cortinas pelo público que o ovacionava.

Qualidades
Suas qualidades técnicas foram bem resumidas por Anthony Tommasini, crítico do "New York Times". A sonoridade de sua voz era inconfundível, "quente e envolvente, com uma ponta escura de barítono". Seu fraseado emergia com uma encantadora naturalidade, atingindo na escala cromática um dó extremamente agudo. Alguns puristas, no entanto, consideravam que Pavarotti exagerava em suas redundâncias, acrescentando à letra, à melodia e à orquestração algumas curtíssimas pausas desesperadas de aspiração para reforçar a dramaticidade do personagem.
Um dos quatro filhos de um padeiro e tenor amador de Modena, Pavarotti nasceu em 12 de outubro de 1935. Seus primeiros heróis foram jogadores de futebol -torcia para a Juventus, de Turim- e tenores como Martinelli, Caruso e Schipa, presentes no fonógrafo de seu pai.
O primeiro salto em sua carreira se deu em 1965, em Miami, quando substituiu um tenor acamado numa produção regida pelo britânico Richard Bonynge, com a mulher dele como parceira, a soprano australiana Joan Sutherland.
O regente e a cantora apadrinharam o polimento final de uma voz já encantadora. E foi pelas mãos deles que Pavarotti recebeu convites para se apresentar no Scala de Milão -foi um dos solistas do "Réquiem", de Verdi, regido por Karajan- e, no ano seguinte, no Covent Garden, de Londres.
Mais ou menos naquela época, o cantor recebeu de um dos diretores do selo Decca um conselho que o modificaria bastante. Além de um agente, ele precisaria de um especialista em marketing que projetasse sua imagem. Foi assim que, nos 36 anos seguintes, o tenor e Herbert Breslin estariam associados para criar a figura do popstar da ópera.
"Eu gosto de dinheiro", afirmava Breslin. E o obtia. Os cachês sempre tiveram um teto -hoje fixado em Nova York ou Viena em US$ 15 mil por récita. Mas Breslin passou a vender Pavarotti para shows em ginásios de esporte ou estádios, cobrando US$ 300 mil.
Nesses espetáculos, o cantor não deveria se limitar ao repertório clássico. Precisaria também apresentar cançonetas napolitanas ou música pop.
Pavarotti e Breslin romperam em 2002. Mas já havia 12 anos que o cantor se associara ao empresário húngaro Tibor Rudas, o inventor de Os Três Tenores, que estrearam em 1990 na Copa do Mundo da Itália. Oito anos depois, na Copa da França, cada um deles embolsou US$ 3 milhões por uma nova apresentação.
Como celebridade assumida, o tenor italiano se ensimesmou num universo cheio de manias que Breslin, ao romper com ele, maldosamente relatou, em 2004, num riquíssimo livro de mexericos, intitulado "The King and I" (o rei e eu).

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