sábado, 20 de outubro de 2007

Novos meios de consumo

Nós não vamos pagar nada

Os músicos vão continuar milionários.
De resto,tudo muda no mercado fonográfico depois da iniciativa da banda inglesa Radiohead de permitir o download gratuito de seu último trabalho

IVAN FINOTTI
EDITOR DO FOLHATEEN

Em editorial publicado no domingo, o jornal "The New York Times" classificou de revolucionária a tática da banda inglesa Radiohead de disponibilizar seu último disco para download pelo preço que você quiser pagar. Não chega a tanto.
Só verdadeiros fãs -o que equivale a dizer "pessoas sem distanciamento crítico, de ingenuidade comovente e facilmente irritáveis"- para acreditar que a hipocrisia do Radiohead é mais do que um golpe de mestre para ganhar dinheiro imediato. E também de marketing, visto que foram parar até no editorial do "NYT".

Mala direta
Segundo notícias da Inglaterra, a banda enviou 1,2 milhão de cópias de "In Rainbows" entre quinta-feira, dia 11 de outubro, e segunda-feira, 15. Segundo pesquisa de um site com 3.000 de seus leitores, o preço médio pago de bom grado pelos fãs foi de 4 libras (cerca de R$ 16). O Radiohead ficou R$ 20 milhões mais rico em cinco dias -e, de lambuja, ganhou um arquivo detalhado de fãs no mundo todo, incluindo a informação de quanto eles estão dispostos a pagar (quanto será que a banda U2 pagaria ao Radiohead para ter acesso a essa mala direta?).
A pesquisa apontou que um terço pagou zero (e aqui se inclui o Folhateen, que baixou a obra para fazer uma crítica). Uma proporção curiosamente baixa, levando-se em conta que há anos as pessoas baixam música na internet absolutamente de graça -o que todas as gravadoras e muitas bandas ainda consideram roubo.
Por que, então, as pessoas pagaram ao Radiohead, se podiam não fazê-lo? Muita gente diz o seguinte: "Acho justo". "É o trabalho dos caras."

Sentimento de culpa
Mas existe outra forma de encarar o fato. As pessoas -cadastradas, com nome, endereço, telefone etc.- se sentiram mal em não dar nada pelo trabalho de uma banda "tão honesta, tão bacana que oferece seu trabalho até de graça"... Já nos programas ilegais, quando está protegida pelo anonimato, a galera baixa sem dó.
O constrangimento e o sentimento de culpa que o Radiohead impôs a seus fãs é a grande novidade aqui (um repórter da BBC chegou a baixar de graça, mas voltou e resolveu pagar R$ 36, já que "minha consciência começou a incomodar").
Mas isso não vai durar muito. Se os Rolling Stones disponibilizarem na semana que vem seu próximo disco nesse sistema, menos fãs vão pagar pelas músicas. E depois que uma dúzia de bandas fizer o mesmo, a novidade e o sentimento de "pago porque acho justo, não porque eles cobram" vão murchar até perder o sentido.
O futuro da música é grátis. Não porque é justo. Não porque as gravadoras ganham demais. É grátis porque a mídia digital permitiu que ele seja, e nada vai parar isso.

Sem dó
Às gravadoras, resta cuidarem dos shows de seus artistas, movimento que já começaram a fazer. Aos artistas, que sempre nos lembram de sua necessidade inata de exprimirem seus sentimentos, resta continuarem a exprimir sentimentos. E nós vamos ouvi-los de graça, ao contrário do que aconteceu no século passado.
Mas não é preciso ficar com dó. Igual ao que aconteceu no século passado, os músicos continuarão a ser milionários. Só que menos milionários. Em vez de 50 milhões por ano, entre vendas de discos e apresentações ao vivo, vão levar "só" uns R$ 25 milhões pelos shows.
E, para ganhar dinheiro brasileiro, o Radiohead vai ter que vir tocar no Brasil.

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